sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As penas de um anjo
Parte 4
Ele se levantou. Passando levemente seus dedos pela suas costas onde sentia uma dor insuportável, descobrindo o sangue, jorrava como cascata por ela saindo de duas profundas feridas. As feridas expostas em suas costas à luz do sol, doíam como se ao invés dos dedos, fosse o fogo ardente e a qualquer toque, por mais leve que fosse, parecia alimentar aquela brasa.

- Dor. Finalmente sei como é este presente dado aos humanos pelo Grande. – Disse ele a si mesmo em voz alta enquanto retornava a mão para seu campo de visão vislumbrando o rubro do sangue que escorria lentamente, onde cada pingo que caia, se transformava em um na poça que criara.


As penas ainda caíam do céu, uma atrás da outra, cintilando com o leve toque do sol. Não havia percebido que já havia pousado no chão. A altura de que caíra, era um tanto quanto alta e ainda assim, continuar vivo de qualquer maneira que fosse possível de se imaginar.

- Então esse é a famosa dádiva reservada somente a nós, a tão intrigante queda! – Disse lamentando-se.

Esse era um presente que era dado, mas, usado apenas uma vez. E essa vez, era a única que precisava. Um mergulho sem volta para aqueles que desejavam a vida mortal. Alguns largavam a placa de aço reluzentes reservadas aos anjos por amor, outros por revolta, mas, independentemente da razão, não eram lhes atribuída punição pelo ato cometido. Poucos quando caíam lembravam-se totalmente de seu nome, mas muito mais raro era lembrar do seu passado como um ser puro e glorioso que protegia aqueles que foram criados para ser amados pelo Grande. Lecabel era o seu nome, disso conseguia se lembrar. De seu nome e sua missão, por qual teve de desertar do esplendor de suas asas, e afim de se lembrar sempre, agarrou uma pena e bamboleou em sua frente para sair daquela longa planície verdejante onde fora o palco de sua queda.

- Mesmo não estando mais em minhas costas, sinto o prazer exalando ao tocá-la com os meus dedos.

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Melissa olhava taciturna para Rafael enquanto tomavam um bom copo de café no posto de gasolina em frente a delegacia de Atibaia. Conversaram por alguns bons minutos, desviando do assunto de anjos, penas ou qualquer coisa relacionada ao que estavam passando o máximo que conseguiram. Estavam tendo um tempo de relaxamento e diversão juntos. No começo Rafael pensava que ela era uma menininha metida e que gostava de coisas esotéricas ou religiosas por ter perguntado se tinha a fé em anjos, até saber que ela também não se relacionava muito bem com a religião nos primeiros dez minutos de conversa.

- É bom conversar um pouco. – Disse Rafael enquanto acendia um cigarro. – Estou ficando meio louco com essas penas pra lá e para cá.
- Seria melhor se fosse noite, eu tivesse dormido mais algumas boas horas e tivesse uma boa cerveja aqui do meu lado. – respondeu Melissa sorrindo.
- Isso é bem uma verdade. Uma cerveja agora cairia perfeitamente bem.
- Mas, sei que o assunto é chato e tudo mais, mas porque a repentina curiosidade se acredito ou não em anjos ?
- Bom, aquele investigador. Esqueci o nome dele agora, mas ele me disse uma coisa que não podia te contar. Vou fazê-lo assim mesmo porque confio em você. Afinal você está passando pelo mesmo caso que o meu.
- Humm .. isso me parece meio misterioso – respondeu Melissa fazendo pouco caso das palavras confusas que saiam da boca de Rafael.
- Bom , sabe as penas e o sangue estranho que apareceu para todos nós ?
- Sim … sei . – disse Melissa preocupando-se um pouco mais ao delongar das palavras de Rafael.
- Realmente não são de nenhum animal.E não existe nada químico forte o suficiente para deixar o sangue daquele modo em que encontramos, segundo os analístas.
- Você não está acreditando realmente que seja de anjos … está ?
- Bom …. depois de tudo que aconteceu, é meio difícil até para mim, mas não consigo encontrar outras respostas e pensar em qualquer nova possíbilidade para responder isso é como dar um tiro na minha cabeça de tanta dor.
- Então acho que devemos procurá-las nós mesmos. O que me diz ? – Disse Melissa rindo. – Assim dividímos um pouco dessa dor de cabeça.

Rafael, riu balançando a cabeça como se tivesse acabado de falar uma besteira mas o olhar da mulher em sua frente parecia ser verdadeiro em sua resposta. Sim, acabara de criar uma bola de neve, e já sabia que aconteceria , mesmo antes de contar ou não para Melissa.

- O que temos há perder , Rafael ?
- Bom … poderíamos ser presos, morrer de exaustão, ser presos novamente, e qualquer coisa entre ser preso e morrer. Em resumo, podemos fazer muita coisa e mesmo assim, não sair do lugar e se realmente nos prenderem por atrapalhar a investigação, de nada vai adiantar.
- Já fiquei mais tempo naquela delegacia nesses dias do que em minha vida inteira. Além do mais, aí que me deixa com mais vontade mesmo de seguir e procurar. – A voz de Melissa exala expontâniedade. – Tudo que proibído tem um gosto diferente.
- Mas onde começaríamos a procurar ? Não temos nenhuma pista além de nós mesmos ou que as penas não são de nada que ande, nade ou voe no planeta.
- Bom, acho que alguém está a sua procura. Aquele homem, se ele apareceu só para você e comentou alguma coisa sobre seu nome, com certezsa vai aparecer uma outra vez e é dele que podemos tirar algumas respostas. Duas veses em dois dias é muito improvável para algo inútil. Logo, você já é a primeira pista.

Após mais algumas suposições, perguntas, gritos, desconfianças e precipitações, os dois entraram no acordo de seguir com uma investigação para saber o que era aquele maldito sangue e penas, e porque diabos foram eles os sortudos a encontrarem aquela balburdia. A cada momento em que voltavam ao assunto sobre elas, Rafael afagava a pena que tinha guardado em segredo dentro de seu bolso. A sensação da brisa límpida vinha em seu corpo ao mínimo toque das extremidades de seus dedos, e quando agarrava ela por inteiro com a mão fechada, comichões espalhavam-se por todo o seu corpo, entorpecendo-o de felicidade e leveza, como nunca poderia ter sentido em todo o resto de sua vida, mesmo se dedicasse totalmente na busca pela tão aclamada felicidade.

No final, quando mais um maço de cigarros já estava vazio e os copos de café sem nada com que os preenchiam anteriormente, decidiram que no mesmo dia se encontrariam as quinze horas na praça da igreja da Matriz e de lá, tentariam procurar pistas e ver onde mais daquelas penas e sangue foram encontrados. A praça era um bom lugar, sempre bem movimentada e ficava no centro de Atibaia, rodeada de ruas com diversas lojas, restaurantes … mas a praça, tinha alguma coisa em especial quando Rafael decidia visitá-la, mesmo que fosse uma vez a cada ano. Quando finalmente se encontraram na praça no horário combinado, Rafael olhou taciturno para a Igreja, como se algo lhe chamasse para adentrar aquelas portas, mas, nenhuma voz podia ser ouvida. O poder da pena sobre Rafael parecia aumentar a cada passo e a cada vez que pensava que era Ateu, e sim, estava entrando em uma igreja por vontade própria.

- Porque não entramos um pouco na igreja já que estamos nessa história de anjos ? – Disse Rafael – Me parece um bom lugar para começarmos.
- Você pode até ter um pouco de razão nisso. Faz alguns anos que não entro em igrejas – Disse Melissa enquanto seguia Rafael para dentro da igreja segurando-o pelo braço, como se fosse o primeiro dia de aula no colégio.

Os dois fitaram por alguns segundos a água benta posta na porta com uma mistura de receio e indiferença. Algo dizia para que passasse em si aquela água.

- Na roma , como os romanos, certo ? – Disse Melissa enquanto repousava um pouco da água em seu pescoço lentamente, excitando Rafael com aqueles gestos até que ela pegou um pouco mais da água dentro daqueles vidros com suas mãos fechadas em forma de concha  e passou suavemente no pescoço de Rafael, de sua nunca e indo com leveza até o seu pomo.

- Não precisava passar – Disse corado, mostrando que estava com vergonha. Entraram na igreja, que nos dias de semana vivia vazia. Muitos dos cristãos apenas dava a cara nos finais de semana, onde as outras pessoas poderiam vê-las e acariciarem o seu ego com os adjetivos que somassem a seu caráter.

Avistaram um padre sozinho, com seus cabelhos grisalhos denunciando a avançada idade arrumando alguns papeis e carregando uma pesada bíblia em baixo de seus braços. Parado, imóvel ao pé das cadeiras próxima ao altar, como se já estivesse esperando por eles dois para uma conversa.

- Bom dia meus filhos. – Disse o padre – É sempre bom ver que os jovens ainda seguem a palavra do senhor mesmo nos dias de semana.

- Oi Padre, sei que está no meio da semana e tudo o mais, mas nós gostaríamos de fazer umas perguntas que estão realmente acabando com as nossas noites de sono. – Disse Rafael.

- Claro meus jovens. Se não me engano vi pela televisão um jovem muito parecido com você essa semana. Você sabe, a vida de um padre não é mais tão atribulada como antes já que as pessoas deixam cada vez mais de vir a igreja. Sendo assim, sobra mais um tempo para boas conversas e apreciar um bom vinho. Essa história de anjos na terra estão fazendo com que prestem atenção um pouco mais na vida espiritual.
- É verdade, foi eu mesmo na TV. Há um homem, mais para um louco que decidiu jogar aquelas penas e sangue , e ainda, disse que compartilho o nome de um dos grandes … você tem ideia do que possa ser senhor ?
- Claro, Rafael é o nome de um dos arcanjos , muito conhecido na igreja como São Rafael Arcanjo. Um dos primeiros a serem criados pelo nosso Senhor. Um nome muito bonito, e geralmente seu significado perdido pelas pessoas de cabeça simples. É responsável por todo e qualquer tipo de cura, que vem de seu nome “Deus cura”.
- Bem interessante, não sabia mesmo que o meu nome significava tanto.
- Como disse, seu significado se perde aos anos pelas pessoas. – Disse o padre enquanto apertava as mãos de Rafael. – Você me parece realmente sem sono rapaz, algo que queira saber mais para que possa tirar algum peso de suas costas ?
- O senhor sabe algo sobre aquelas penas ? – Perguntou Melissa como se estivesse com pouca paciência.
- Bom, a TV influência muito as pessoas hoje em dia. Tudo é banalizado, violência, sexualidade e principalmente qualquer caso envolvendo santidades ou a igreja em si. Sei que é até estranho um padre reconhecer, mas há algo intrigante nas penas .. e .. quando toquei uma …
- O senhor conseguiu pegar uma ? – perguntou Rafael.
- Sim, a algumas quadras da igreja, onde realizo a minha caminha matinal, vi um homem loiro, com algumas ataduras em suas costas e vi no local onde deixara, as penas e o sangue.
- Esse homem, você já viu ele em algum lugar ? É o mesmo tenho certeza, o que disse sobre o meu nome ! – Rafael disse enquanto ficava eufórico .
- Ele esteve aqui, alguns dias antes de tudo começar. Me perguntou algumas coisas sobre a vida na terra. Como se tivesse acabado de nascer. A igreja sempre acolhe aqueles que necessitam, então ofereci a casa do senhor como estadia para uma noite, mas o homem recusou. Disse que havia uma missão, e devia encontrar um companheiro a muito perdido. Fiquei apreensivo ao começo quando percebi que o rapaz não estava totalmente normal mentalmente, sintia que precisava de ajuda.
- Sim, tive o mesmo pressentimento quando encontrei a pessoa. Como se já a houvesse conhecido de algum tempo – pensou Rafael consigo mesmo.
- Bom, se vocês não se importam, esse homem velho precisa se retirar e ter uma repousa, em dentro de algumas horas estarei realizando alguns afazeres do meu cargo, e uma mente velha precisa de seu descanço. Agradeço pela mente de jovens se importando em visitar a igreja. – E realmente, Rafael se sentia confortável depois dos dias de loucura e sangue.
- Claro senhor, fique a vontade, estamos de saída. – Disse Melissa puxando Rafael que estava olhando atentamente as pinturas e a arquitetura da igreja. Ele se sentia bem ali, era como se estivesse em um refúgio, longe de problemas e principalmente, longe de penas. Sentia que ali era o seu lugar naquele momento, mesmo sendo ateu, era até hipócrita dizer … mas estava realmente se sentindo bem na igreja.
- O que foi ? Você parecia tão estranho na igreja. – disse Melissa enquanto lhe entregava um sorvete em sua mão , dentro da sorveteria que ficava de frente a igreja. – Não me diga que vai começar a frequentar todos os domingos que eu sei que você não vai.
- Não , não é isso. – disse Rafael deixando o sorvete cair sem ao menos percebê-lo, deixando um lindo sorriso no rosto de Melissa enquanto pensava sozinho – Não que a igreja me faça mal ou sei la, gostei de lá. É aquele homem que me incomoda. O padre também o viu.
- É … esse cara, me parece ser bem estranho. Você tem certeza que não conhece ele ? Porque tipo, ele só apareceu para você dentre todos nós.
- Depois desses dias Mel, nem sei. – disse Rafael enquanto via ela soltar outro daquele lindo sorriso.
- Mel ? Tudo bem, eu aceito vai Rafa. – desataram os dois a rir, esquecendo o sorvete por derreter no chão da sorveteria de Atibaia.

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