sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As penas de um anjo
Parte 2
A única coisa que Rafael podia ver, era o flash das câmeras cegando os seus olhos, forçando-os a se fecharem pelo impulso de desviar daquelas luzes irritantes.


Assim que conseguiu abrir seus olhos por inteiro, viu a quantidade maciça de repórteres proferindo dezenas de perguntas ao mesmo tempo em sua direção. Parecia que estava dentro de uma colmeia, cheia de abelhas, zunindo sem parar. A situação era extremamente estressante. Não sabia como haviam chegado tão rápido ou quem os havia chamado para fazer aquele tumulto na rua de sua casa. Lembrou das penas, do homem que fugiu quando chamado a atenção e seu misterioso desaparecimento, sem deixar nenhuma pista conclusiva de como havia escapado, apenas sumiu.

- Senhor, senhor … você viu quem colocou as penas no seu carro ? – perguntou uma repórter de um jornal qualquer.
- Sim, eu o vi. – respondeu Rafael.
- E como ele era ? – perguntou um outro repórter, dessa vez, um homem de canal de televisão importante, segundo o simbolo que mostrava em seu microfone.
- Era um homem normal, loiro e só sei que sujou o meu carro e a rua o suficiente para que a mídia aparecesse. – falou Rafael à aquela multidão.

Diversas outras perguntas vieram e mesmo se Rafael respondia ou não, aquela correnteza de pessoas não deixava-o seguir para qualquer outra direção à que não fosse a das câmeras ou de microfones. Irritado pela insistência incessante daquele turbilhão, empurrou brutalmente a linha de frente do batalhão de perguntas, para que assim, pudesse abrir um caminho livre para um pouco de paz. A cada pessoa que tirou de sua frente, outras três tomaram seu lugar no mesmo instante. No mesmo momento em que pensou em desistir de sair daquele local, um homem gordo, exalando respeito com seu grande bigode surgiu dentre o meio da multidão e apertou o seu braço direito e ajudando Rafael, finalmente abriu uma passagem. O homem chegou com a boca bem perto de seu ouvido e disse em voz baixa “Sou policial, me acompanhe sem falar nada a ninguém” . Mesmo sentindo o comichão em seu estomago, Rafael acatou a ordem emitida pelo homem e juntos, saíram livremente do local, ajudado por outros policiais que apareceram para dar suporte a fuga.

Sua rua estava irreconhecível, nunca estivera cheia como naquele momento em toda a vida. Finalmente chegaram a uma viatura policial onde no banco do motorista, estava um policial militar onde finalmente o homem disse:

- Sou o investigador Gabriel, apenas entre na viatura e não olhe para ninguém , não fale com ninguém. – disse o Investigador – Precisamos fazer algumas perguntas em um local apropriado.
-Tudo bem – disse Rafael calmamente – , só me tire daqui.

Assim, que entrou na viatura, vasculhou seu bolso e encontrou o seu maço de cigarros e colocando um na boca, acendeu com um esqueiro que ganhou de uma antiga namorada. A tragada foi funda, sentiu a fumaça entrar em seus pulmões, fazendo o prazer de diminuir a sua vida a cada, um dos melhores prazeres da vida. Depois do terceiro trago, o policial ao volante olhou com uma cara firme de repreensão fazendo que por reflexo, Rafael jogar o cigarro em direção a multidão.

- Sabe, nunca fui muito religioso – disse Rafael nervoso – Deus, santos e anjos sempre foram para mim, uma puta de uma besteira.

O policial apenas viu pelo retrovisor, sem dizer nada. No mesmo instante o investigador entrou no carro.

- Vamos para a delegacia. – disse o investigador ao policial – Iremos fazer apenas algumas perguntas sobre o que aconteceu, não há nada no que se preocupar, é só cooperar.
- Tudo bem, mas porque todo esse alvoroço logo em minha casa, na minha rua ? – perguntou.
- As perguntas e respostas, começarão quando chegarmos na delegacia, até lá, peço que fique em silêncio.

Chegaram rapidamente a delegacia. Atibaia era uma cidade pequena no interior de São Paulo e praticamente tudo era relativamente perto. Ao ver a porta da delegacia, viu um alvoroço parecido com o de sua rua e vários policiais impedindo a passagem com uma barreira humana de policiais bem armados. Era bizarro, a cidade nunca recebera tanta audiência desde as enchentes ocorridas no ano anterior que foram televisionadas a todo território nacional.

- Saia do carro e não fale com ninguém, os policiais irão acompanhá-lo.

Sem responder, saiu do carro direto para dentro do local guardado pelos policiais. O investigador Gabriel chegara quase ao mesmo tempo e com um sinal mostrou uma sala recheada com diversas outras pessoas com o mesmo rosto de incompreensão. No meio das exatamente seis pessoas, estava seu amigo Miguel, partilhando de um sinal interrogativo.

- Então você também achou alguma galinha morta ? – disse Miguel. – Todos aqui também viram penas na rua, em casa ou no trabalho.
- Sei. – disse Rafael.

Nesse momento Gabriel voltou a sala tomando a atenção de todos.

- Bom, sei que vocês não tem culpa nenhuma do ocorrido e que o povo começou todo esse papo de anjo. – disse o investigador – Mas, vocês acabaram sendo premiados com essa honra. Vocês sabem por que ?
- Honra? – disse uma senhora sentada ao canto.
- Não tenho a minima ideia, apenas cheguei em casa e vi aquelas penas com sangue na minha casa – disse Miguel.

O investigador olhou para dois dos guardas que estavam na porta da sala e pediu para que levassem um por um para interrogatório, começando por Miguel. O interrogatório decorreu por horas em fio e sem que se houvesse progresso. Finalmente foram liberados do interrogatório mas deveriam ficar no recinto. Todos no local foram interrogados. Eram enviadas para a sala no andar de cima onde eram feitas dezenas de perguntas sem sentido a relação ao momento da descoberta das penas. Todos estavam reunidos novamente na sala. Canecas de café eram distribuídas de hora em hora para as pessoas que estavam no local até que uma jovem quebrou o silêncio.

- O que vocês acham dessa coisa de anjos ? – perguntou a menina.
- Eu acho uma merda isso sim, anjos não existem – disse Rafael fazendo com que todas as pessoas se intimidassem a falar qualquer outra coisa.- Só quero voltar para casa.

Rafael nunca fora muito cristão por toda a sua vida e até seus pais e amigos o criticavam por isso. A crença em Deus, anjos, santos e qualquer divindade era extremamente impossível para Rafael. Fé, era impossível associar essa palavra com sua vida em qualquer que fosse o momento. Sentia inveja das pessoas que tinham fé. Sempre teve uma dúvida razoável, mas decidiu ignorar por completo quando estava na adolescência.

- Tudo bem, pode ser besteira essa coisa de anjos, mas acho muito estranho essas coisas aparecem aqui em Atibaia. – disse a menina se opondo ao último comentário feito na sala.
- Será que poderemos ir pra casa ainda hoje ? Trabalho amanhã cedo – disse um homem gordo com a barba por fazer.
- Só sei que os policiais nos mandaram ficar aqui – respondeu a senhora.
- Eu não aguento mais ficar preso aqui – disse Rafael já irritado com toda aquela situação. Levantou e acendeu outro cigarro. A menina fez o mesmo e parou ao seu lado.
- Você não deve ser muito religioso, certo ? – perguntou a menina.
- Não, nem um pouco. Sou ateu. – respondeu Rafael olhando-a pelo canto dos olhos.
- Interessante para alguém que tem o nome de um anjo.- disse a menina no espaço de tempo de uma tragada a outra do cigarro que estava fumando.

Naquela hora o investigador trouxe a última pessoa que entrou para ser interrogada e disse a todos.

- Bom pessoal, vocês devem ficar longe de suas casas até que a perícia termine a investigação nelas. Foram trazidos alguns dos melhores especialistas da área para Atibaia e se tiverem parentes ou amigos próximos, melhor contatá-los e irem para casas deles.
- Como assim não poderemos ir para casa – disse Miguel levantando-se para encarar o investigador com toda imprudência que conseguiu reunir. Miguel era assim, pavio curto e não sabia se dar com notícias inesperadas.
- Peço que todos se acalmem e não compliquem mais ainda a investigação. – disse o investigador afastando seu paletó da cintura fazendo com que sua arma brilhasse na luz amarela que havia no recinto – uma escolta irá guiá-los para onde decidirem ficar.
- Não podemos pelo menos pegar nossas roupas? – perguntou a senhora.
- Não. – respondeu o investigador antes de sair da sala fazendo com que dois guardas impedissem a passagem deles.

Rafael jogou seu cigarro no chão e apagou com seu pé. A menina não parou de olhar ele e fez o mesmo. Ela o estava irritando, e parecia que a intenção era proposital.

- Você não acha um tanto incomum está situação ? Toda essa história de anjos, penas, e os policiais apenas com perguntas, sem nenhuma resposta para aquelas que pedimos ? – perguntou a menina.
- Só sei que não tem nada a ver com anjos, já disse. – disse Rafael olhando agora o rosto da menina. Na verdade não era uma menina agora que prestara atenção, mas uma mulher bonita com aparências bem joviais.
- Eu também não costumava a acreditar naquilo que não vejo, mas, talvez, dessa vez seja verdade – continuou a menina saindo da sala e dando as instruções ao guarda de onde ficaria.
- Qual o seu nome ? – perguntou Rafael.
- Melissa – disse saindo do lugar acompanhada por um dos guardas.

A situação para todos era o tanto quanto incomoda e palavras insatisfeitas foram ditas por todas. Aquele cara que saiu correndo, que sujou o seu carro e que por fim desaparecera. Rafael tentou imaginar diversas desculpas para que ele desaparecesse, mas, todas sem sucesso ou um pingo de coerência. Algum tempo se passou e todos foram saindo, um a um, para casa de parentes ou qualquer um que os abrigassem em um lugar seguro. Miguel foi junto de Rafael, pois eram amigos próximos e os dois não tinham muitos a quem recorressem e por final, fora a casa de seu amigo Natanael. Foram os últimos a saírem e por isso a atenção foi um pouco desviada pelos primeiros carros levando as outras pessoas.

Assim que chegaram a casa de seu amigo, foram calorosamente recebidos com uma grande caneca de café, um jantar maravilhoso preparado por sua mulher e claro, muitas perguntas. Logo quando o relógio marcava onze horas todos se preparam para dormir e Natanael lhe mostrou o quarto em que iriam ficar. Quando já estavam aconchegados enrolados em seus cobertores a lembrança daquela pessoa misteriosa ainda persistia em sua mente, fazendo-o a lembrar detalhadamente daquelas penas cobertas de sangue. As penas eram incomuns, eram como se fossem impermeáveis, mesmo quando o sangue as cobriam , o sangue escorriam deixando-as limpas. Agora sabia de onde saiu todo essa ladainha sobre penas celestiais. Eram lindas, como cintilavam com o sol batendo em cima delas. Lembrou-se de tocá-las e sentir-se intensamente bem com a sensação suave em seus dedos junto do sangue que ao mesmo tempo as sujavam. Agora sim sabia o porque do nome dado de “penas de anjos”. Cercado pela dúvida, a vontade de fumar o acolheu. Levantou-se da cama e pegou seu maço de cigarros e o esqueiro e andando lentamente foi ao quintal da casa de seu amigo para afagar seu desejo.

Indo em direção ao portão com seu cigarro já aceso, refletiu um pouco mais sobre o assunto, com um toque de ceticismo a mais.

- Anjos, me dê um tempo. Isso não pode ser real – disse Rafael sozinho olhando o seu celular. Era duas da madrugada e dezesseis minutos.
- Como pode você dizer o que é real ou não, sendo que limita-se a não acreditar no divino – disse uma voz grossa e ao mesmo tempo serene.
- Quem está ai ? – perguntou Rafael no mesmo tom que a voz usava, olhando pelo quintal para achá-la – E como sabe o meu nome ?
- Seu nome é compartilhado por um dos grandes, devia saber disso – continuou a voz, fazendo Rafael sentir que a voz falava próxima ao seu ouvido.
- Um dos grandes, como assim ? – disse Rafael virando em direção em que pensou ouvir a voz, mas para sua surpresa, não encontrara nada – O que você quer comigo ?

Como se fosse um relâmpago aquela pessoa com que se encontrara mais cedo na porta de sua casa, agora estava em sua frente. As cicatrizes eram protuberantes em seu rosto. Um sorriso espantador era direcionado a Rafael enquanto aquele homem o media dos pés à cabeça.

- Você jogou aquelas penas com sangue em meu carro, foi você eu vi você – disse Rafael enquanto apontava o dedo para o rosto do homem.
- O que quero você perguntou, certo? – disse o homem terminando o sorriso. – Você saberá no momento certo. Agora só preciso que guarde uma pena com você.
- E por que irei precisar de uma pena ?

O homem apontou o dedo indicador para trás de Rafael mostrando-lhe uma poça de sangue com mais penas e quando retornou a vista para o homem, já não estava lá.

- Você saberá o que quero. Talvez, até já saiba. – disse a voz uma última vez naquela noite.

Rafael no ímpeto da loucura em que se acometeu, correu em direção e pôs uma das penas em seu bolso gritando por Natanael.

- O que você quer maldito ? – gritou uma última vez antes que caísse estatelado no chão.

A única coisa que ouvia era o grito de pessoas chamando o seu nome mas a única coisa que conseguia ver era aquele rosto e as penas. Agora estava louco por completo.

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