sexta-feira, 14 de outubro de 2011

As penas de um anjo
FINAL!
Alguns dias se passaram desde a sua queda naquele campo gramado. O cheiro da grama e da vegetação em sua volta era intensa e bem revigorante de certa forma, mesmo ignorando o cheiro fétido do sangue que saia do seu corpo.

Suas feridas ainda que um pouco abertas, fechavam-se rapidamente com o passar do tempo, a dor era intensa e demasiadamente insuportável, provada a cada minuto desde que Lecabel retirou ele mesmo as suas maravilhosas asas de anjo. Com uma espada que em seu cabo havia um simbolo na esquecida língua dos anjos, onde estas demonstravam a sua reverência, sua missão e todo o amor ao seu criador, Deus. De tão afiada que era a espada, precisou somente de dois golpes para arrancá-las de uma vez por todas.

Quando caiu na terra estava totalmente nu, e mesmo se perturbando com o peso de seus atos, roubara algumas roupas no varal de um sítio que passou pelo seu caminho para que pudesse aquecê-lo em sua jornada. Caminho, ele já não sabia qual o rumo certo a tomar. Sabia apenas qual era a sua missão e devia ter exito na mesma. Afinal, tudo dependia de sua missão. Uma camiseta branca com um furo debaixo do braço, uma calça jeans surrada pelo tempo e pelo uso excessivo e um sobretudo verde escuro que pelo seu estado, havia sido pouco usado pelo seu dono original por ser de grande valor ou porque considerava-o ilustre demais para ser usado em meio ao estrume e os animais da fazenda.Era inverno. Como um pagamento para as roupas surrupiadas, deixou uma pena retirada de suas antigas asas. Seria um belo pagamento ao dono da roupa se aquele humano soubesse o poder dela.

Depois de ter andado dias vagando pelos bairros rurais da cidade de Atibaia, onde não haviam muitas casas e ainda menos rostos de amizades, Lecabel finalmente encontrou uma casa abandonada ao final de uma fazenda. A casa fedia a mofo e as teias de aranhas cintilavam como uma linda decoração extravagante no meio daquela imundice. Quando entrou na casa empurrando a porta da frente, ela fazia um som de ranger estridente pelo interior da casa, aumentado inúmeras vezes pelo vácuo que havia no local. O tempo arruinara a casa por completo. Havia apenas um sofá, onde antes poderia ter sido uma sala aconchegante e quente pela lareira localizada no meio da parede que por sinal, fazia um painel naquela sala que jazia cinzas em seu interior. Retirou o pó que criava uma leve camada pelo contorno do sofá, para que já não sujasse mais ainda as suas roupas surradas e não piorar a situação de suas feridas sangrentas nas costas que podiam infeccionar com toda aquela imundice. Era humano agora, e as condições que impostas aos outros agora era atribuídas a ele também. As aranhas faziam companhia para Lecabel. Faziam-no se sentir um amigo para que não se sentisse só naquela noite fria. A noite se tornava ainda mais escura naquele momento e os pensamentos enegrecidos pelo fardo de sua missão presenteavam-no com uma enlouquecida dor de cabeça, fazendo cada centímetro de seu crânio doer com seu peso.

- Amanhã devo começar a jornada. Achar o arcanjo em sua forma humilde. – Disse Lecabel vencido pelo cansaço aliado da dor. suas pálpebras fecharam-se levando-o ao um sono tranquilo.

Rafael e Melissa saíram da sorveteria da praça da Matriz, era quase noite. A igreja da Matriz estava lindamente iluminada, mostrando todos os seus adornos e belezas na noite de Atibaia. Toda aquela história de anjos e arcanjos deixaram Rafael eufórico, não se continha com a esperança de saber mais sobre eles e um pouco mais sobre o real significado de seu nome.

Nunca havia se dedicado pelo menos um minuto se quer para que buscasse sobre o seu próprio nome e, um Arcanjo, significava alguma coisa afinal. Até esse momento, Rafael não conseguia mais retirar a mão da pena em seu bolso. Era viciante seu toque e a leveza com a qual sentia-se a cada milímetro era absurdamente inexplicável, quase como se ele mesmo tivesse suas asas. Rafael não conseguia saber o porque, mas a igreja havia mudado algo na sua cabeça, e também dentro de seu coração. A ideia de aceitação de cristo parecia um pouco mais convincente nesse momento.

- Nós poderíamos jantar daqui a pouco, não ? – disse Melissa – O sorvete me deu um pouco de fome.
- Como assim ? Você acabou de comer a sua sobremesa.
- Eu sei, mas sempre que como sorvete me da mais fome. E sempre que como algo salgado, me da vontade de comer sobremesa.
- É admirável como você ainda é magra.
- Até a minha mãe diz isso. – Terminou a fala Melissa com um sorriso.

Caminharam mais alguns minutos pela praça da Matriz para que pudessem reparar um pouco mais em sua beleza despojada até que juntos, decidiram finalmente jantar numa lanchonete ali perto, no centro de Atibaia.

A lanchonete chamava-se Papa Joe’s e a decoração do lugar era extremamente alternativa, deixando cada detalhe, cada quadro, cada retrato, um sinal convidativo para que os fizessem se sentir muito à vontade. No decorrer daqueles dias a situação das penas e sangue espalhado pelos cantos e a segunda aparição daquele homem tornaram o peso de ficar sem casa e lugares confortáveis para dormir um tanto quanto pior. Ainda não haviam decidido onde ficariam aquela noite, pois estavam sem casa para se aconchegar naquele tempo frio que andava fazendo em Atibaia.

Um dos garçons do local preparou uma mesa para o casal, deixando sorrisos em seus rostos com piadas inteligentes e trazendo dois cardápios com quase um metro de altura deixando mais uma vez a boa impressão e respeitabilidade da lanchonete. Atibaia era assim, com dezenas de lugares onde se comer e cada um com sua individualidade para atrair mais turistas. Mas pelo visto, as últimas visitas deixaram um presente inusitado na cidade: penas e sangue.

- Vou experimentar o lanche vegetariano. Nunca comi, deve ser interessante. – disse Melissa.
- Eu vou pedir uma caipirinha para começar – disse Rafael rindo, mostrando a vontade de querer aproveitar o momento.

Os dois conversavam simpaticamente por alguns minutos até que Rafael colocou a mão que não segurava a pena sobre a mão de Melissa. O rosto da mulher agora ficara rubro. Estava envergonhada, mas mesmo assim, não retirou a mão. Rafael finalmente percebeu o que deveria fazer.

O garço finalmente trouxe as bebidas na mesa com o mesmo carisma que demonstrou na apresentação do local. A noite estava perfeita até aquele momento, mesmo sem saber o seu rumo . Quando o garçom terminou de servi-los saindo para atender outra mesa, Rafael sentou ao lado de Melissa.

Os dois se entreolharam por um momento e como se os dois já esperassem por demais aquele momento, até que Rafael tocou levemente a sua orelha esquerda e com um leve puxão, beijou-a. O beijo durou por alguns minutos. A pena intensificou aquele momento, ele realmente estava nas nuvens. Como se pudesse abrir as suas asas, como se fosse um anjo. Quando se afastaram-se para tomar um pouco de fôlego, nada falaram, apenas se olharam.

Com um certo ar de inocência Rafael virou seu rosto para os lados para ver se as pessoas no recinto repararam no ato, mas por um único segundo, quando olhou pela janela, lá estava ele, o homem da noite anterior. O homem ria quando percebeu que foi avistado por Rafael e com um sinal da cabeça, disse para Rafael ir para seu encontro.

Rafael em um ímpeto furioso, levantou-se esbravejando e expondo agressividade em seus gestos. Sua cadeira e seu drink caíram, estatelando-se no chão causando uma pausa para que todos o olhassem. Melissa achou um tanto quanto incomum, ficou imóvel com aquele gesto até também avistar o homem na parte de fora da lanchonete e Rafael correndo ao seu encontro.

- Finalmente nos encontramos de novo, ó Grandessíssimo Rafael – disse o homem fazendo uma mesura para Rafael.

Rafael respondera à aquela gentileza com seus punhos. Arrematou um soco em direção ao rosto do homem, fazendo um som abafado com o choque de seu punho quando encontrou o queixo do homem. Ele apenas riu enquanto cuspia sangue de sua ardilosa boca.

- Um superior sabe educar o seu bom subordinado como ninguém – disse o homem ainda rindo.
- Seu merda! Agora você não me escapa! Vai responder a todas as minhas perguntas – disse Rafael com uma forte voz gutural, afinal, uma voz gultural resolve problemas com extrema facilidade.

Quando alguns garçons vieram ajudar a apaziguar a confusão, o homem apenas levantou uma mão e como se fosse mágica, eles pararam e deixaram a conversa rolar, esquentando a cada palavra que os dois soltavam de suas bocas. O poder de persuasão que exalava daquele simples gesto, era extremamente enigmático.

Cada frase ardia como brasa quando cuspidas da boca de Rafael e aquele homem parecia pouco se importar estando no meio daquela fogueira em que Rafael criava ao redor.

- A pena. Você ainda a detêm em seu poder, meu Rafael ?
- Sim. De onde vieram as penas ? E porque você me deu uma delas ?
- Horas, de um anjo , claro. – disse o homem sorrindo com sangue escorrendo pelos lábios. – E eu sou o tal.
- Não faça piadas ou sua próxima risada terá que ser feita com alguns dentes a menos.
- Acalme-se. Se me deixar explicar ficarei muito grato Ó Grande.
- E é bom que comece o mais rápido possível. Minha paciência não está lá essas coisas nesse momento.
- Vamos a um lugar mais reservado para que eu possa falar o que é realmente preciso.



Rafael não soube o porque, mas motivado pela dúvida não pode deixar de acatar o pedido daquela pessoa. Juntos, os três, voltaram para a praça da igreja da Matriz. Pelo caminho todo, não era muito longo mas naquele momento a caminhada se parecia mais e mais com uma verdadeira odisseia.

A pena agora ardia em sua mão, retirando todo o frio que sentia junto com a adrenalina resultante de sua raiva pelo homem em sua frente. Juntos, Melissa e Rafael estavam de mãos dadas, acariciando-as como se aquele momento pudesse ser único e se soltassem, ele poderia acabar.

O homem parou, sibilando de uma maneira como se estivesse incomodado com o que ia falar, mas assim que parou e virou o rosto para que pudessem vê-lo as palavras saíram sem nenhuma outra complicação maior.

- Bom, senhor. Você pode não se lembrar de mim como eu esperava e como grandioso eu e você éramos. Talvez sinta a falta de um par de asas para que sua mente se lembrasse com maior presteza.
- Como assim, asas ? Mas que filha da putisse você deseja que eu acredite ?
- Ainda não percebeu quem você é ?
- Não … como , como assim quem eu sou ? – gritou Rafael – EU SOU O MESMO RAFAEL COMO SEMPRE FUI !
- Você é o grandessíssimo Rafael, O Primeiro.- disse o homem como se fosse uma súplica para que Rafael se lembrasse.
- Se eu fosse um arcanjo, acho que saberia bem disso. Como é o seu nome? – disse Rafael quando tirou a mão da pena de seu bolso e cerrou os dois punhos fortemente.
- Meu nome? A minha graça é Lecabel. Um dos anjos da guarda celestial. A milhares de anos, lutei ao seu lado bravamente Rafael. Muito do que consegui ser como anjo, deve-se a você, meu mestre, minha fonte de inspiração.
- Você realmente é louco. – disse Rafael enquanto tirava a mão em que apoiava Melissa para agredir Lecabel, mas antes de concretizá-lo, Lecabel segurou seus punhos cerrados. – Você vai parar de espalhar essas merdas pela cidade e vai ser AGORA!
- A pena que você guarda em seu bolso. Feche os olhos e tente lembrar! EU LHE SUPLICO! VOCÊ É A ÚLTIMA ESPERANÇA, MEU SENHOR!



Rafael não soube se a curiosidade moveu seus olhos para que estes se fechassem, ou se foi um simples reflexo pela fala de Lecabel mas assim que os fechou, colocou uma das mãos sobre a pena, que ardendo ao toque, desapareceu. Um grupo de jovens no lado que antes, nada pareciam importar, agora escutavam notícias de desastres que estavam ocorrendo no mundo afora. Rafael tentou concentrar-se no que queria pensar, mas as novidades de tsunamis, terremotos, vulcões ativos e assassinatos em massa o prendiam intensamente na transe.

Asas, penas e o cheiro metálico. As imagens em sua mente agora atribulavam-se rapidamente mostrando o seu rosto com os cabelos alongados e seu corpo saudável dentro de um peitoral adornado, feito inteiramente de ouro.

A sua mão, agora ao invés da pena que segurava no bolso, foi trocada por uma longa espada que reluzia uma luz cegante como se olhasse diretamente ao sol. Na espada, havia uma escrita que antes não poderia descrever o seu significado, mas, claramente lia a inscrição que traduzida significava, “Deus”. Todos os seus feitos, toda a sua verdadeira história de uma outra época, uma época que não poderia ter existido, veio em sua mente com um piscar de olhos. A sensação de leveza em suspensão no ar lhe trazia invejas daqueles que ainda tinham asas.

Batalhas contra demônios, anjos que antigamente foram seus irmãos e agora soldados de Lúcifer. O sangue deles escorriam em abundância pelo fio da espada, e pelo céu, os membros de seus inimigos caíam. Ensinamentos que trazia a alguns humanos como presente e deveras outras coisas em um passado remoto. Lembrou perfeitamente o que era, era O Arcanjo Rafael. Sabia o porque se aprisionara na forma humana e porque suas lembranças celestes foram esquecidas. Um presente de Deus, que lhe foi dado de bom grado pensava. Na verdade o presente era um presente aos planos do seu ser superior, para que não o interrompesse e não deixar que ajudasse a salvar os humanos da dor e de seu inevitável fim.

- Você … veio me ajudar, Lecabel ? – disse Rafael.
- Sim … e paguei o mesmo preço que você e muitos outros fizeram o mesmo, por isso as penas e o sangue pelo mundo, senhor. O senhor foi o primeiro de todos, e muito foram movidos pelo seu ato de amor.

Melissa não conseguiu compreender a conversa em que os entravam agora, até que Rafael explicou-lhe o que vira antes de abrir os olhos. Ele sabia o que devia fazer e o porque. A humanidade estava perdida. Corrompida até os ossos que sustentavam o seu corpo. Devassidade, egoísmo, assassinatos, putrefação em vida.

Deus não suportava mais a insanidade do homem e assim, decidiu, não aliviadamente, que a vida que se empenhou tanto para criar e dar de presente já não era mais merecida. Assim ele anunciou aos seus servos celestiais a sua decisão. Assim como à ser criado, Rafael também foi o primeiro a se rebelar diante o seu objetivo.

- Não farei parte disso, Pai. Não sou merecedor dessa honra em que quer me conceder. Não vou ser o arquiteto do fim da vida do homem, assim como não gostaria de vê-lo ensandecido meu grande, Criador. – disse Rafael com as lágrimas que podiam curar qualquer doença, escorriam pelos seus olhos perante a presença de seu senhor e a decisão. O peso do anúncio do apocalipse era demasiadamente forte, mesmo dentro de toda aquela armadura completa de ouro.



Rafael aprendera a amar os humanos e se agendar para o fim do mundo. Mas agora, pouco antes do juízo final, tudo mudara drasticamente em sua mente. Não era a morte para elevação da alma , mas sim o extermínio dela. Extermínio … a palavra ecoou em alto e bom som dentro de seu crânio.

- Serei eu o filho que dá ao pai, aquilo o que ele quer? Ou serei o filho fiel que o da aquilo que realmente precisa? – e com o terminar dessas palavras voou até o mundo dos humanos, a Terra, para que finalmente arrancasse as suas asas com a espada dourada e assim dar lugar de suas lembranças para a amnésia e loucura.



Lecabel levou a mão de Rafael junto a dele, e apertando fortemente disse:

- Você lembra onde enterrou a sua espada, a grande arma concedida pelo Senhor ?
- Lembro perfeitamente de minha espada, a “Cura Divina”.
- Devemos então buscá-la, ela é a chave do Juízo Final, o Apolicapse!



Rafael, dominado pelas visões segurou fortemente a mão de Melissa e todos os três juntos de carro foram até um bairro localizado numa região de longinquidade grande, onde um tempo houvera enterrado a espada. Muitos carros passavam naquela hora, mas nenhum deles faziam menção aos ver os três elementos próximo ao lago cavando com as próprias mãos a terra dura.

A humanidade esquecera seus valores e seus deveres aos próximos e cada vez mais, ver um louco próximo a estrada e não pensar em ajudá-lo tornou-se banalidade. Cavaram fundo e logo quando as mãos de Rafael começou a exibir o sangue por entre os seus dedos viu um pano desgastado pelo tempo enterrado cheio de terra em seu topo, criando uma leve camada de sujeira sobre si.

Quando retirou a camada de tecido, nela pôde ver o cabo da espada com as inscrições na língua perdida. A insanidade tomou a cabeça de Rafael, mostrando que como quase um anjo caído nas mãos de seu grande irmão Lúcifer, se fez esquecer de sua grandiosidade para que pudesse viver o amor na terra. Ao levantar a espada ainda embrulhada, via que nunca perdera a sua luz, mesmo a muitos anos esquecidas e mesmo pela escuridão da noite, brilhava como o sol.

Era isso, iria fazer o sol brilhar para os humanos mais uma uma vez ! Estava decidido.

Naquele momento, milhares de portas diretas do inferno foram abertas, era o que Lúcifer precisava. Era o que ele queria e com a ajuda de Rafael o seu mando sobre a terra iria iniciar. Os generais do inferno se juntavam com suas tropas para marchar para a glória do submundo.

Terremotos aconteciam, pessoas simples, crianças e velhas desapareciam ao redor do mundo, fazendo o choro e a tristeza pesarem mais e mais sobre aqueles que viviam, criando assim um laço para fortalecer os portais entre o inferno e a criação divina. O arrebatamento estava começando finalmente.

- Devemos ir agora de volta a igreja. Lá iremos conseguir parar essa loucura de nosso Senhor. – Disse Lecabel com seriedade .



Os demônios eram invisíveis aos humanos, Melissa se assustava quando olhava as pessoas na rua desfalecerem com o sangue em suas roupas e nada ali para causar aquele rasgos na carne humana. No carro todos ficaram quietos até chegarem a igreja. A igreja e as pessoas que permaneciam nela assustadas estavam protegidas, mas por pouco tempo. Nem Deus poderiam ajudá-las naquele momento … Ele era a causa de tudo.

As pessoas gritaram ao ver o sangue jorrado de um corpo na porta da igreja onde pensavam estar na mãos de Deus. A cabeça do padre que havia conversado com Rafael e com Melissa rolara até tocar o pé de Lecabel, que este no mesmo momento trocou a face de excentricidade e paciência por uma carranca horrorosa, expressando toda a raiva e a angústia que sentia naquele momento. Era ele, Azazyel, o maldito anjo caído que havia dado de presente aos humanos o ensinamento da criação de facas, espadas e armaduras para que pudessem criar a guerra e a morte de milhões.

Ele vinha em busca de vingança … seu sorriso coberto de sangue demonstrava isso ao olhar atentamente a forma simplória de Rafael sem suas asas, aquele que foi o seu carrasco no passado. Estava em um banquete … e ninguém poderia dizer quando e quanto poderia comer.

- Aaaah Rafael … – disse Azazyel, o anjo caído – Esperei muitos anos por esse momento.
- Você devia se por no seu lugar e se desculpar por todos os seus erros, Anjo caído – gritou Lecabel.
- Deixe Lecabel, este filho da puta quer a mim. – colocou a mão sobre o ombro de Lacabel e sussurou – Leve Melissa para um lugar seguro.

Lecabel como um bom subalterno, puxou com rispidez a mão de Melissa para levá-la longe do sangue que seria derramado,e provavelmente ver a cabeça de Rafael no chão. Ele não seria capaz de subjugar novamente Azazyel em sua forma humana, sem as suas asas. Juntos, Lecabel e Melissa correram com a maior força possível pelos dois, e em suas costas só conseguiam ver a uma luz cegante iluminando um pouco as trevas do local. O ar estava pesado.

Lecabel apenas acenou a cabeça em modo de repreensão para Melissa quando ela fez menção em olhar para trás e ajudar o Arcanjo.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA – O som estridente de uma voz ao fundo.

Quando Melissa parou viu ao seu lado e ao lado do anjo o inimigo de Rafael .. Azazyel estava ainda mais cheio de sangue em sua armadura negra e as suas asas mostravam-se abertas. Será , que ? Será que ele realmente havia assassinado Rafael? As asas que antes residia penas límpidas, davam lugar agora ao formato das asas de um morcego, cobertas de escamas rubras e rasgadas em seu interior pelas guerras vividas no passado.

- Você é quem ele protege, certo ? – Disse enquanto tocava o queixo de Melissa.
- Tire suas mãos delas, seu imundo ! – gritou Lecabel quando levantou os punhos e em uma das mãos estava uma pequena faca, que parecia a muito antiga.

O anjo caído segurou velozmente as mãos de Lecabel. Tudo aconteceu muito rápido. Um Cleck e logo depois no chão estava Lecabel segurando o seu braço esquerdo. Estava quebrado. Calmamente Azazyel foi ao encontro do anjo que no momento estava em sua lamúria pela dor causada pelo osso estilhaçado de seu braço.

- Você é, e sempre será fraco Lecabel – Disse o demônio, fazendo com que suas feições transformassem-se, apresentando os seus chifres e as maçãs enegrecidas.
- Você é que é o fraco aqui demônio. Rafael irá exterminá-lo como já fez em seus tempos de arcanjo.

- Estou farto das estupidezas desse Deus e de seus passarinhos. Lúcifer não deixará tudo acabar assim, ele precisa dos humanos. Mas de um jeito mais, como posso dizer … mais humano. E um tolo que apenas protege os humanos não sabe do que são capazes alguns dos piores tipos.

- Eu conheço bilhões, mas nenhum merece a aniquilação dessa maneira. Um renegado não pode saber o que é o amor se este nunca se permitiu vivenciá-lo.



O rosto de Azazyel enegreceu mais ainda.

- Pronto. Minha paciência acabou. – após fechar seus lábios, o anjo fez materializar uma enorme lança, de mais ou menos dois metros e meio e com apenas uma estocada, assassinou Lecabel. A ponta da lança era vista do outro lado do corpo do anjo, atravessando o estômago … seu sangue agora era apenas uma poça. Azazyel agarrou Melissa e com poucas batidas em suas asas, voou de volta para a Igreja. Por onde suas asas tocavam, o céu ficava mais escuro e o cheiro de ferro fazia-se presente.

- Solte ela seu FILHO DA PUTA ! – Rafael não morrera. A ira no seu rosto tornava-se incomensurável. Estava de joelhos de frente a igreja com uma lança negra em cada uma das coxas, precedidas por um ferimento horrendo que escorria sangue em abundância. Com certeza, nunca mais andaria. Pouco provável seria se saísse vivo com aqueles ferimentos e caso eles não fossem o bastante, Azazel daria cabo de concretizar a vingança.

- Vejo que aprendeu bem o modo humano meu amigo. – Disse Azazyel com zombar em sua fala enquanto materializava uma espada negra e pousava a ponta da mesma na garganta de Melissa. – Algumas últimas palavras para o seu amor ? Devo matá-la rápido ou você quer ver ela morrer lentamente enquanto o sangue sai das feridas?

- Se você movimentar mais um centímetro demônio, eu me preocuparia com as feridas que eu irei causar em sua carranca !

- Bom, farei do meu jeito já que você não se decide. A minha vingança está apenas começando ó Grande, você irá perder tudo o que ama, assim como me fez perder tudo o que eu realizava.

- Você realizava a morte maldito! – Rafael gritava enquanto as lagrimas se esvaiam pelos cantos de seus olhos. As feridas estavam curando-se sozinhas com o cair das lagrimas.

- Dê adeus, humana – Azazyel beijou a orelha de Melissa.

- Rafael, não importa o que acontecer ou se foi muito rápido, eu te amo. Mate esse filho da puta e não deixe tudo acabar, eu estarei te esperando onde for, no inferno ou no céu! – Rafael sabia que não existiria mais céu ou inferno depois desse dia.

Rafael olhou em volta da praça, os corpos sem cabeças enfiadas em lanças negras agora eram vários. As crianças, os adolescentes e os velhos tiveram suas cabeças arrancadas uma a uma, e Rafael teve que olhar cada um destes assassinatos.

A força veio de outra fonte, mas foi o bastante para que com uma só das mãos arrancasse as lanças de suas coxas … e com mais um impulso , levantou-se. Azazyel largou Melissa no chão , não antes de quebrar os seus dois braços na altura dos punhos. Andou com o ar sorridente e irritado para a frente de Rafael. A mão que tirara as lanças, segurava uma delas nas mãos para a tentativa de um bote no demônio, mas antes que pudesse fazer o ato, o anjo caído decepara o braço esquerdo de Rafael.

-Bom , agora acho que não terei nenhum imprevisto com você, arcanjo nojento. – Disse Azazyel.

O sorriso voltou em seu rosto, temperado com a loucura. A espada foi levantada mais uma vez e abaixada uma última vez. O barulho da carne sendo facilmente fatiada fez a dor de Rafael pela perda de sua mão parecer singela.

Quando conseguiu levantar seu rosto aos trancos e barrancos, viu a espada atravessada em um corpo.Aninhada pelo peito de Melissa, estava ali a espada. Azazyel gargalhava ensandecidamente enquanto via o rosto da mulher desfalecer em sua frente. As asas de Rafael não estavam mais presas aos seu corpo, mas naquele momento, foi como se estivessem. A luz que emanava da espada, estava apenas alguns metros de distância. Ali estava Cura Divina pedindo para ser usada uma última vez. O último suspiro de Melissa foi ouvido por Rafael, mas com um piscar de olhos a única coisa que conseguiu enxergar quando seus olhos abriram, foi seu braço segurando fortemente Cura Divinaenfiada diretmente no coração de Azazyel.

- Mas da onde ? Como ? – chorou o demônio.

- Isso já não importa. Nada mais importa. – Disse Rafael enquanto retirava a espada do corpo e com um único golpe, arrancava a cabeça de Azazyel. Finalmente, punido como merecia.



Rafael, embrulhado em sangue chegou perto do corpo de Melissa. Chorou. Ela estava morta, não havia mais o que fazer. Não havia mais propósito. O humano que realmente lutaria pela vida de todos jazia diante de seu nariz.

- Por que Deus ? – lamentou Rafael. – Eu o servi, e fui a sua mão e sua boca diversas outras vezes, por que deseja agora o fim de tudo pelo que lutei!

O investigador Gabriel, horrorizado pela cena de carnificina que encontrará em plena igreja caminhou lentamente até o lado de Rafael.

- Rafael, a culpa não é sua meu irmão.

- Irmão ? – Rafael levantou seus olhos para Gabriel. As asas do anjo reluziam, como a alvorada. Era impossível !

- Assim como você, e de certa forma levado pelo seu ímpeto e pelo seu amor pelos humanos .. também dei as costas a Deus. Eu tive de ajudá-lo. Você ficou adormecido por muitos séculos até esquecer a cada vez, quem era de verdade.

- Mas … como ? E porque não me disse antes ?

- Eu tentei lembrá-lo quando conversamos. Acho que não deu muito certo. Quando os anjos vieram e despejaram as suas penas na terra, foi o sinal para o apocalipse que eu estava esperando.

- Entendo … – disse Rafael enquanto fechava os olhos.

- Eu sei que você sabe como isso vai acabar. Eu eu sei como lhe prestar ajuda nesse momento. Eu quero ajudar Rafael!

- Sim, faremos juntos.

Juntos , os arcanjos deram as mãos e entraram na igreja e pararam por alguns minutos para reparar nos detalhes ricos que cobriam as suas cabeças. A luz. Ela expandiu-se de dentro de seus corpos até poderem ser vistas pelos satélites do mundo …

Sem barulho, sem choro, sem lamento … apenas pela morte de Melissa, o único que sobrou.

A luz cobriu Atibaia e mais onze cidades a sua volta, chegando a um pedaço de São Paulo … foram completamente destruídas onde a luz chegou. Depois desse dia , Lúcifer teve que procurar novos generais … todos estavam mortos.

Deus recobriu a consciência. Finalmente! O erro já havia sido consumido.

A morte … era tudo o que restava.

Rafael acordou …. a parede completamente revestida com o azulejo branco o voltava para a consciência. Estava deitado em sua cama. Suas mãos presas em cintos juntos a cama não o deixavam movimentar-se. A fúria despertou , tentando arrebentar as amarras. Em vão. Quando finalmente conseguiu ficar em silêncio ouviu vozes do outro lado da porta do quarto. Na cabeceira da cama havia uma foto de Rafael e um casal mais velho, abraçando-o.

- Doutor, o senhor tem certeza disso ? – Disse a mulher.

- Completamente , senhora. – respondeu o homem de casaco branco em sua frente.

- Mas como ele chegou a esse ponto ? – Disse o homem da foto abraçando a mulher.

- Houve uma lesão em seu cérebro … Rafael não distingue mais a realidade da fantasia – Disse o Doutor cruzando os braços. – Ele inventa histórias sobre seu nome, anjos, penas e demônios. Há também uma mulher com o nome de Melissa.

- Coitado, nunca conseguiu superar a perda dela. – Disse o homem.

- Como assim ? Ela existiu ? – Perguntou o Doutor.

- Sim. Foi uma namorada dele quando ele tinha vinte anos de idade. – Continuou a mulher. – Ela morreu, depois de sua morte ele vem tendo esses lapsos.

- Entendo, deve ter sido um trauma muito grande para o seu filho – O doutor pegou a prancheta na porta do quarto de Rafael e continuou conversando com os pais até saírem dos corredores do hospício.

Rafael escutara toda a conversa … Mas não podia acreditar. As asas, Lecabel, Gabriel, Melissa. Era real e ele sabia …. Fechou seus olhos para dormir e concentrar-se no que acreditava. A pena, em suas mãos … ela continuava lá. Rafael apertou ela uma última vez e seus olhos fecharam-se e nunca mais veriam a luz …


FIM! :P




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